sábado, 19 de fevereiro de 2011

A Comédia de Situação



Antes de mais nada, o fato indiscutível é que existem muitos problemas nas produções audiovisuais feitas para a televisão. O principal deles, obviamente, é o uso constante das mesmas fórmulas, subestimando a inteligência do espectador. O meu argumento é o seguinte: esse problema não pode ser associado exclusivamente ao formato ou as fórmulas em si, e sim a maneira como são utilizadas. Quando se coloca o assunto em análise, podemos ver que as fórmulas são produto da observação dos padrões de comportamento dentro de uma determinada classe de pessoas, ou seja, do que existe de comum na interação delas com o ambiente em que vivem. Dessa forma as séries de TV contam histórias com as quais muitas pessoas podem se identificar, por incluirem personagens e situações análogas aos que ela vêem, vivenciam ou idealizam em suas próprias vidas. O poder delas está concentrado nesse ponto, como no caso das novelas, pois praticamente todas as pessoas sentem fascínio em ver pedaços de si mesmas dentro de contextos estrangeiros. Mas as novelas são um caso particular. O assunto TV Aberta brasileira está em um patamar diferente, um tanto mais profundo do que uma simples questão de qualidade.


Nesse argumento, quero falar sobre a TV Paga.

O cenário é lastimável: Reality Shows se proliferaram e as séries de ficção estão em baixa. Formatos policiais, adolescente-conservadores e comédias de situação absolutamente ultrapassadas e repetitivas inundam toda a grade, produzindo um entretenimento vazio e condicionando o público a ter um senso crítico pobre. Não precisa ser assim, e nem sempre é assim. Em uma Série de TV, as situações podem ser apresentadas de maneira inteligente e analisadas racionalmente, levando o espectador a reflexões construtivas sobre si mesmo e a sociedade em que vive. Tudo depende da construção dos personagens e da qualidade do roteiro. Um dos pontos mais importantes é o Humor, e acima de tudo, saber fazer humor. O que a maioria das pessoas procura em programas da TV geralmente é o escape, algo que as faça relaxar e se libertar da tensão da rotina. Isso não quer dizer que elas procurem por entretenimento vazio, estúpido e sem significado. Eu pessoalmente só vejo qualidade no humor que desafia, quebra parâmetros e/ou distorce valores morais em prol da liberdade do pensamento. Temos muitos exemplos de grandes mentes no stand-up comedy, como George Carlin, Bill Hicks e o próprio Woody Allen, que conseguiu expressar mesmo na linguagem do Cinema o seu peculiar senso de humor cotidiano. É dentro dessa vertente que chego à recomendação que quero fazer ao meu caro leitor.

Community – A Salvação

Metahumor. Algo como “piadas sobre piadas”, ou o sarro tirado às próprias custas. Essa é a estratégia principal de Community, uma proposta honesta baseada no princípio de que nós não precisamos ser anestesiados, e sim incitados. Eu não vou fazer sinopse ou resenha sobre a série, porque considero bem melhor a forma como ela própria se apresenta ao espectador. Eu não preciso dizer que envolve um grupo de pessoas muito diferentes entre si que interagem em um contexto comum. Clássico. O seu principal diferencial está em um dos personagens: Abed Nadir. Abed é um excêntrico palestino-americano viciado em cultura pop que serve como uma conexão entre o público e os personagens. Em vez de “derrubar a quarta parede”, ele simplesmente abre uma “janela” para o espectador ao fazer constantes análises dos acontecimentos ao seu redor como se a sua “realidade” de fato fizesse parte de um seriado da TV, permitindo assim que possamos estar perfeitamente cientes das mensagens e ideias que serão transmitidas em cada episódio. A série também evita cair na mesmice experimentando continuamente com diversos formatos através de paródias em investidas ousadas e inusitadas. A rapidez, acidez e sofisticação do humor no roteiro permitem que o politicamente incorreto e o contra-cultural tenham o seu devido espaço, promovendo o desvirtuamento de conceitos conservadores, uma das mais valiosas ferramentas para se exercitar a nossa consciência de mundo e fugir do condicionamento geral por parte da propaganda que reina em toda a grande mídia. Não se deixe enganar: é sim possível rir e refletir ao mesmo tempo. Community está aí para quem quiser experimentar, e mesmo aqueles que não costumam assistir seriados podem abrir essa exceção.


Incluí acima o vídeo de uma sequência completa do final de um dos episódios. Espero que consiga ilustrar o que tentei descrever sobre os aspectos marcantes da série.

Um comentário:

  1. Comecei a assistir a série há dois dias. E QUE série! Realmente foge da mesmice das atuais sitcoms e nos leva para longe dos 'Sheldons' e 'Charlies' que o espectador mais crítico já está saturado.
    O texto é realmente muito bem escrito, afiado, sagaz e sensacionalmente engraçado.
    Belo texto Doc!
    Cheers

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