quinta-feira, 3 de março de 2011

Cinema: Só Para Ver?

Frequentemente, quando questionadas sobre qual a parte de uma produção audiovisual e ou cinematográfica é mais importante na qualidade da obra final, a grande maioria das pessoas tendem a apostar na fotografia, outros no elenco, outros ainda na “onisciência” de um grande diretor e “esquecer” do áudio. Isso não é um problema apenas dos “consumidores” do produto. É um problema comum e recorrente na maioria dos estúdios e produtoras.
Preocupados principalmente com o quesito fotográfico do filme, esquecem-se que, para conseguirem transmitir a mensagem que querem e transportar o espectador para o “lado de lá”, o som é de suma importância para o êxito do trabalho.
Geralmente, o que acontece é que cada setor da produção pensa única e exclusivamente na sua parte sem pensar nos problemas que isso pode causar ao áudio como por exemplo, o diretor do departamento de efeitos especiais que visualiza e projeta uma “linda chuva” pela janela (em uma locação com telhado de zinco), ou o responsável pelo figurino que constrói dezenas de colares (barulhentos e chacoalhantes) para os personagens que usarão microfone de lapela. Isso sem contar nos técnicos de outras áreas como o pessoal da elétrica e maquinária e o pessoal da fotografia que geralmente tratam o técnico de áudio como o “chato do som” no set.

Técnico de som e sua mesa

Por motivos como esses e para passar uma maior credibilidade em alguns sons apresentados no decorrer de um produto audiovisual é que recorre-se a técnica da dublagem e do “foley”.
Não me refiro aqui nem a “dublagem/versão” no que diz respeito a tradução ou versão do conteúdo falado no filme para um idioma qualquer, mas sim na dublagem como recurso de melhora do áudio captado, seja por problemas técnicos ou por impossibilidade de captação direto.
Voltemos ao exemplo citado acima, “uma linda chuva pela janela (em uma locação com telhado de zinco)”. Agora, imaginemos que, nessa janela há um casal e eles conversam. É óbvio que na pós produção o diálogo ficou prejudicado pelo barulho da chuva no telhado, necessitando assim de uma dublagem das falas para que o assunto em questão seja inteligível. É exatamente a esse tipo de dublagem que me refiro aqui. Os atores originais então são chamados após o término da gravação da cena ou do projeto todo, entram em estúdio e recriam o diálogo como na gravação original e ambos são sincronizados: a cena gravada anteriormente e o áudio gravado em estúdio.
Vale ressaltar que os mais puristas discordam dessa técnica,  pois dizem que a “essência da atuação” dos atores perde-se completamente no processo de dublagem (o que, de fato, não deixa de ser uma verdade), porém, levando-se em consideração que aproximadamente 80% dos diálogos dos filmes produzidos nos estúdios de Hollywood sejam frutos de dublagens e a maioria do público nem se dá conta, essa questão já pode ser classificada como mérito do ator ou atriz.
Mas agora, façamos o contrário. Imaginemos que sim, a cena com a “linda chuva pela janela (em uma locação com telhado de zinco)” teve todos os cuidados mínimos necessários para uma ótima captação do áudio do diálogo da cena ( foram colocados panos felpudos para reduzir o barulho das gotas de água no telhado, as máquinas de chuva foram cobertas para abafar o barulho dos motores e colocadas o mais longe possível do set...) enfim, captação de áudio perfeita. Ainda assim temos um problema: com tantos cuidados o barulho da chuva ficou imperceptível e obviamente é necessário para a composição da cena. Nesse caso recorre-se ao processo de “foley”.
O foley é uma técnica antiga, que tem o nome de seu “criador” Jack Foley, amplamente usada até os dias de hoje e nada mais é que a “dublagem” dos efeitos sonoros existentes nos filmes, isto é, todo e qualquer som que não seja diálogo ou trilha como o tilintar de uma niqueleira com moedas, os passos de uma pessoa em uma floresta, o cavalgar de um cavalo em um terreno arenoso, o som de uma porta abrindo ou, como no exemplo citado, o som da chuva em um telhado.


Existem estúdios gigantescos especializados nessa técnica com todo tipo de objetos e quinquilharias para recriação de qualquer tipo de som que seja necessário.
Diferentemente da dublagem por “problemas” técnicos, o foley vem somente a acrescentar qualidade sonora ao filme visto que os profissionais da técnica recriam os sons que dificilmente conseguiriam ser captados com precisão ou com a intensidade necessária para dar o tom de realismo cada vez mais presente no cinema atual.
Não acho que a dublagem “original” seja um grande problema. Como já citado, ela é quase imperceptível para a maioria das pessoas.
O problema aparece quando a função de “aperfeiçoamento” do som captado deixa de ser a função principal da técnica de dublagem e passa a ser a técnica padrão para “salvamento” de falhas que poderiam ter sido facilmente evitadas com um bom planejamento de gravação, com o trabalho em equipe, com o aval do técnico de áudio para gravação nesta ou naquela locação, com um bom trabalho do set como um “todo” enfim, uma real preocupação com o áudio da produção em questão que, ao final das contas tem uma relevância muito maior para a qualidade final do filme do que a maioria das pessoas imagina.





Nota: Resenha criada após a leitura de "Carta Aberta do Seu Departamento de Som" de John Coffey.

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