quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Onde Estão Os Mascarados?

* texto originalmente publicado em meu outro blog: http://qdequadrinhos.blogspot.com/

Eu sou um grande fã de quadrinhos. Especialmente os que tratam de super-heróis. Cresci lendo-os, grande parte do meu conceito moral, adquiri desses seres fantásticos que faziam tudo pelo bem. Eles salvavam o mundo e o mundo não sabia de suas identidades secretas. Era algo como “não se preocupem, meus problemas não são maiores que os problemas do mundo. Com o tempo, e com mais conhecimento, esse mito foi caindo e hoje é mais difícil ler algum quadrinho atual, que tenha a premissa moral, sem questionar. Ao buscar coisas diferentes dentro desse universo, achei autores como Alan Moore e Frank Miller. Estes dois são responsáveis por desmistificarem o conceito de “super-herói”. Numa primeira leitura de suas obras, tem-se a impressão de que tomaram o caminho inverso: “os nossos problemas podem ser maiores que os problemas do mundo”, mas é muito mais que isso. Mais do que nunca, provaram que os problemas dos indivíduos, são os problemas do mundo. Uma ex-namorada viciada em heroína, podia transformar a vida de um super-herói num inferno, por mais que ele mesmo se vista de demônio. A iminente destruição do mundo, pode abalar até mesmo a mente mais moralista do mundo. Temas que, até então, eram tabus, trouxeram uma nova leitura para os apaixonados pela arte sequencial. Mas por outro lado, apesar de histórias muito bem colocadas, roteirizadas e desenhadas, houve um revés. Todos esses heróis foram “desmascarados”. Vimos um Superman descontrolado ao saber que viveu uma ilusão, um Batman muito mais amargurado e imoral, um Demolidor à beira da loucura. Nós vimos um deus indiferente aos pequenos humanos.

E, pior, nós vimos todos jogados num quarto iluminado, de frente com os demônios. Alguns se entregaram aos demônios, outros lutaram bravamente, porém, poucos sobreviveram. E não é isso que acontece com muitos (será exagero dizer todos?) de nós? Aprendemos a ser corretos, a praticarmos as leis, respeitar uns aos outros, a vestirmos uma camiseta com um S estampado no peito. Porém, ao sairmos para praticar o que aprendemos, encontramos nossos mestres como algozes. É como quando Harry Osborn descobre que seu pai, Norman, era o Duende Verde. Ele não sente raiva, pelo contrário, segue os passos do pai. O que me parece natural. Daí pra frente, provavelmente os editores das indústrias de quadrinhos pensaram “e agora? o que vamos fazer?”. Na verdade, já não havia muito o que fazer, então tivemos os famigerados anos 90, a era obscura dos quadrinhos, por mais colorida que fosse. Histórias ruins, jogadas goela abaixo. Tramas sem sentido que subestimavam a capacidade mental dos leitores. Conseguem fazer um paralelo entre os salvadores do mundo desmascarados, com o a nossa realidade? Eu consigo perfeitamente. Por essas e outras, que amo os quadrinhos. Uma arte que consegue ser autêntica, mas com um pé no pop. Tipo, David Bowie, sabe? Enfim, deixe-me explicar como enxergo esse paralelo do universo dos quadrinhos com a realidade que nos é dada hoje.

Todos sabemos que mediante nossos abusos em relação aos recursos naturais, a Terra pode acabar mais rápido que o esperado. Pois, todo mundo sabe que o planeta ia morrer um dia,

certo? Se você não sabia, bom, desculpa estragar, mas é verdade. Mas nós estamos acelerando esse processo, não só por nosso consumo exagerado, mas também pelo fato de que não mudamos nossa forma de pensar, de querer algo diferente, de cortar o mal pela raíz. É um processo um pouco delicado e longo, mas que não temos feito e/ou praticado ultimamente. Alguém não gostou disso e começou a reclamar, fazendo um certo, digamos, “barulho”. Você sabe de quem estou falando. Nós cutucamos a onça com vara curta, mas para nossa sorte, ela só está rosnando. Por enquanto. Porém, o rosnado foi alto suficiente para que alguns prestassem atenção e começarem a nos avisar. Cada um da sua forma. Uns de forma profética, outros como um aviso para a mudança. Tem gente que não acordou mesmo e muitos deles são levados por quem gritar mais. Os proféticos, acham que é o fim mesmo, daquele escrito milhares de anos atrás e muitos deles, parecem esperar por esse fim, ao invés de tomarem atitudes para mudar o paradigma. Existe ainda, uma terceira classe. Os oportunistas. Eles enxergam esse aviso do planeta, como um meio de atingirem os seus objetivos. Alguns, com objetivos nobres, com certeza. Mas muitos, não tão nobres assim. Com essa oportunidade, acredito que temos um novo ramo de mercado global. Um novo jeito de ganhar dinheiro e crescer assim o capital empresarial. Você com certeza já ouviu falar de sustentabilidade. Claro que já. Você já ouviu falar de eco-qualquer-coisa. São termos do momento. E aí que se encontra o mercado atual. O mercado de salvação do planeta. Repare que nos últimos anos, muitas marcas surgiram com um conceito benigno. Passam uma imagem de serem boas para o planeta. Convenhamos, que muitas delas o fazem de maneira ofensiva, pois muitos sabem que elas fazem justamente o contrário, sendo malignas para toda a sociedade. Muitas marcas, estão estampadas em eventos que promovem conceitos ecológicos e/ou sustentáveis. Com seus patrocínios servindo justamente, de propaganda. São os heróis desmascarados. Estão em todos os lugares, sorrindo, mostrando todo o bem que fazem para o planeta. E aqui que eu coloco o título do texto: “Onde estão os mascarados?”. Parece que há uma luta para ver quem salvará o planeta e ficará com toda a fama. O planeta não é de todos? Não deveríamos salva-lo, independentemente de nossas crenças, ideologias e preferências? Tudo bem, todos temos necessidades a cumprir, temos nossos problemas. Pois, acho que devemos voltar até a era de ouro dos quadrinhos. Quando os heróis salvavam o mundo e ninguém sabia quem eles eram realmente. Desculpem empresas, vocês podem pensar em boas intenções ao patrocinarem eventos, colocarem suas marcas como pró-sustentabilidade, mas eu acredito que ao estamparem suas caras, vocês mostram quem realmente são: empresas. E empresas, todos sabem, visam em primeiro lugar o lucro. Se alguém tem algum argumento contra, favor me indique, eu gostaria mesmo de ouvir que não é assim, porém, ainda não achei tal ponto.

O que quero dizer, nos finais, é que acredito na anonimidade dos super-heróis. Se eu estivesse na Guerra Civil (a saga da Marvel, não a de verdade) eu tomaria fácil o lado do Capitão América, pela não aprovação da Lei de Registro de Super-Humanos. E não pelo princípio de que isso traria ameaça aos próximos do mascarado. Partindo da linha que aqueles que desmistificaram os super-humanos, acredito que o problema de um, é o problema de todos. E aquele que coloca a máscara, nos mostra que ele está lutando por nossos problemas e não para resolver os seus.

Claro que começamos a nos mover a partir de um problema nosso, mas novamente, será nosso mesmo? Será que suas contas a pagar, se tornaram o problema apenas porque naquele mês você gastou mais? Será que realmente, nossos problemas são únicos (os problemas e não suas medidas, que fique bem claro). Não seria válido que ao lutar por nossos problemas, poderemos vestir uma máscara, mas que ao ficarmos cansados, passamos a máscara para o próximo, enquanto voltamos para sermos nós mesmos e no dia seguinte, vestir a máscara novamente?

Eis minha proposta, empresas que querem salvar o mundo e pessoas ordinárias. Há uma questão importante levantada no filme Superman Returns, onde Lois Lane (eterno par romântico do escoteiro), escreve um artigo no final do filme “Porque o mundo precisa do Superman”. Eu concordo, mas proponho algo mais além e de maior massa. Acho que o mundo precisa de Supermen. No plural. Sejam super-heróis de verdade. Tirem a máscara mal-feita, composta de ouro e diamante de suas caras e coloquem uma que seja acessível para todos nós, para que, ao menos, em nossas lutas sejamos iguais e companheiros. Avante, Salvadores!