quinta-feira, 9 de junho de 2011

Estado Laico Segundo as Leis de Deus

É interessante notar, como muitas pessoas acham que a República Federativa do Brasil, mais precisamente sua constituição, foi criada de acordo com as leis de Deus. O pior disso, é saber que as pessoas que têm o poder, estão levando tais convicções para dentro de onde deveriam deixa-las de lado. Bolsonaros estão por toda parte e usam e abusam de frases do tipo: "Graças à Deus" "A vontade de Deus" "O senhor Jesus" como argumentos para suas decisões políticas.

Charge de Cau Gomez

Todos fomos surpreendidos no começo do mês passado quando o Supremo Tribunal Federal reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo, ou união homoafetiva. Isso foi uma vitória para uma classe tão reprimida na nossa chamada "democracia". Ainda estamos longe de uma nação livre de preconceitos e homofobia, mas este foi um passo muito importante para caminharmos à uma plena democracia (algo que acredito ser quase impossível numa sociedade capitalista, mas tudo bem, estamos tentando ao menos).

Porém, não foi surpresa alguma quando nos deparamos com o contra-ataque de pessoas que não eram a favor de tal direito. Tais pessoas não escondem que seus argumentos são baseados nas leis de Deus, ou seja, são argumentos de base religiosa. Ok, todos têm direito de escolher o caminho que quiser e suas convicções sobre o mundo. Mas o que pouquíssimas pessoas entendem, é que o Brasil é um estado laico. "Mas Melchior, o que significa isso?". Se você realmente não sabe, explico:

Num Estado Laico, o governo NÃO apoia e NÃO se opõe também à questões religiosas, sendo essas para serem tratadas separadamente. Ou seja, não é possível que o governo leve em consideração argumentos religiosos para realizar suas leis. Tais leis também, não podem favorecer qualquer religião. E quando se diz que o estado não se opõe à qualquer religião, isso não quer dizer que ele deve aceitar toda e qualquer reivindicação religiosa.

Pois bem, ao menos o Supremo não levou em conta esses argumentos certo? Bom, não tá sendo bem assim. Ocorre que existe um projeto de lei andando pelo congresso que visa sustar (anular) a união homoafetiva. O Projeto foi criado pelo deputado João Campos de Araújo (PSDB/GO). Porém, como homem da lei (em duas instâncias, pois além de deputado, Araújo é delegado de polícia) o deputado obviamente não poderia fazer esse projeto baseado claramente em questões religiosas. O ponto que o projeto se baseia é de que a Constituição brasileira é clara ao definir a união estável, expressamente entre um homem e uma mulher. Sim, realmente a Constituição define isso. Mas não é essa mesma Constituição que diz no Artigo 3°, item III que a República Federativa do Brasil tem como objetivo fundamental erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais? Ora, a lei de união homoafetiva se inclui aqui! Enquanto isso emendas constitucionais são feitas cada vez para aumentar a pobreza, a marginalização, aumentar as desigualdades sociais. A nossa Constituição é atrasada e foi feita por mãos quase tão vis quanto àquelas da Ditadura. Quando utilizamos desse artifício da emenda para caráter democrático real alguém tenta, usando o mesmo argumento que a valida, invalida-la. E o pior, isso é aceito. No fundo, o deputado esta se baseando em fundamento religioso e fingindo não ver que a constituição não é de Deus. Não foi escrita por Ele. É no mínimo curioso o fato de que o deputado Araújo saiu em carreata junto com outro candidato a deputado estadual, o Pastor Elismar Veiga.

Outdoor do Pastor Silas Malafaia, um dos maiores críticos ao homossexualismo

Enfim, está rolando uma enquete* agora na página oficial da Câmara dos Deputados. Nela, pergunta-se a nós, cidadãos do estado laico, o seguinte:

"Você concorda com o projeto (PDC 224/11) que susta a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de reconhecer a união homoafetiva?"

São duas respostas possíveis:

"Sim, porque a Constituição é clara ao definir a união estável, a entidade familiar expressamente entre um homem e uma mulher."

"Não, porque com o reconhecimento da união estável os casais do mesmo sexo passam a ter direito a herança, pensão alimentícia e benefícios previdenciários."

Lamentavelmente, o SIM está ganhando. Não sabemos se essa enquete muda alguma coisa, mas pelo menos temos algo a nosso alcance que podemos fazer. Eu já fiz minha parte, independente de religião, orientação sexual ou visões filosóficas. Fiz baseando-me no que nossa própria nação prega: democracia, laicismo, proteção à vida e outras coisas mais.





* A enquete foi encerrada no dia 10, um dia depois da publicação desse post e o SIM venceu (55% contra 45% do NÃO)



Um comentário:

  1. Nosso Estado é laico na teoria, todavia na prática sabemos que é um Estado Católico. Prova disso são os feriados santos católicos que, em sua grande maioria são também feriados nacionais. Por quê os feriados budistas, hinduístas, islâmicos, judaicos, etc, não são observados por todos???

    Quanto à Constituição, a maioria das pessoas pensa que o texto cru, na literalidade da lei é o que é (ou deveria) ser observado, todavia não é dessa forma que ocorre. Cada artigo, inciso, parágrafo, é interpretado por juristas e estudiosos do direito, legitimando o texto segundo, no meu entendimento, suas próprias convicções e/ou pressões externas que as validam. Em suma, tudo o que regula o país está na mão de uma "aristocracia intelectual burguesa" e do que lhes convier. Eis o grande problema da farsa que é a democracia representativa.

    Saludos...

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